O cadeado era bem antigo, já quase todo comido pela ferrugem. Daqueles com chave de baú velho. De longe chamava a atenção, tão fosco em meio aos de aço. Ao contrário dos milhares de outros, todos trancados e com as chaves em eterno sono no fundo do Sena, aquele estava aberto. Trazia seu nome e sobrenome escritos com esmalte de unha. E um endereço, na Rua Mouffetard.
II
Um café, pegado à tabacaria. Mais duas ou três construções geminadas, uma lojinha de queijos, outra de souvenires e lá estava o número: uma floricultura com 6 andares de apartamentos em cima. Lá estava: appartement 42. Quem colocou seu nome no cadeado? Por quê? Medo de apertar a campainha. Vontade retornar correndo e se enfiar no quarto de hotel em Montmartre. Esquecer que viu o que viu, arrumar as ideias com a mesma simetria das roupas da mala e tocar para o aeroporto antes do fim da estadia. Merde. Faltava tanta coisa para conhecer, era sua primeira vez em Paris. Hoje mesmo, a manhã estava reservada para o Cemitério Père Lachaise, a tarde e a noite para o Quartier Latin.
III
Seria algum amigo do Brasil, querendo brincar com ele? Mas como esse amigo teria certeza de que iria reparar no cadeado antigo para que a brincadeira continuasse? O raciocínio não fechava.
IV
Nem precisou tocar a campainha. A chave estava na porta do lado de fora. Uma chave que, além da porta, parecia ser também do cadeado. Entrou. Uma mulher linda, nua e desconhecida pintava as unhas com esmalte da mesma cor usada no cadeado da ponte, sentada de pernas cruzadas em uma cadeira. Foi quando entendeu. Foi quando lembrou. Foi quando o raciocínio, como um cadeado, se fechou.
Esta é uma obra de ficção
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