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SENTENÇA JUDICIAL

0001199-67.2012.4.03.6127

Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de Transportes de Cargas Santa Matilde Ltda, Miguel Jacob e Jose Maria Brassaroto objetivando condená-los no reembolso de 100% do valor gasto pelos consumidores na aquisição de gasolina adulterada, o que deverá ser comprovado pela apresentação de nota fiscal ou outro documento idôneo, e à reparação de todos os danos causados nos seus veículos, em razão da não conformidade da gasolina comercializada nos dias 16 de junho a 22 de junho de 2004, período compreendido entre a data da última aquisição do combustível, consoante notas fiscais expedidas pela distribuidora, até a data da lacração e, ainda, caso nenhum consumidor se habilite durante a execução da sentença de procedência, que a parte requerida seja condenada a recolher, em favor do Fundo de Direitos Difusos (artigo 13 da Lei n. 7.347/85) e a título de indenização pelos danos causados, o valor constante das notas fiscais referentes às últimas aquisições de combustíveis antes da aposição dos lacres, devidamente corrigido. Aduz-se, em síntese, os seguintes fatos: a) no dia 22 de junho de 2004, fiscais da ANP procederam à colheita e análise preliminar de amostras de gasolina "c", comercializada no estabelecimento de revenda Auto Posto Santa Matilde Ltda; b) as amostras colhidas foram enviadas ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT para perícia, e o resultado, devidamente certificado (boletim de análise n. 2893), demonstrou que a empresa ré comercializou combustível fora das especificações da ANP, em prejuízo da ordem econômica e dos consumidores, uma vez que se detectou a presença de produto de marcação compulsória - PMC (adição de solvente), proibido para o uso como combustível automotivo. Em decorrência, em 26 de agosto de 2004 foi lavrado o auto de infração n. 139436.c) Segundo documento de fiscalização n. 1349439, o combustível comercializado foi fornecido pela empresa WJ Distribuição de Combustíveis Ltda e, por decisão proferida no processo administrativo n. 48621.001316/2004-71, o posto revendedor, Auto Posto Santa Matilde Ltda, foi considerado o único responsável pela comercialização da gasolina adulterada. Com a inicial, foram apresentados os documentos em apenso. Intimada, (fl. 21), a Agência Nacional do Petróleo informou não ter interesse no feito (fl. 23). Os réus foram citados (Transportes de Cargas Santa Matilde Ltda e Jose Maria Brassaroto por oficial de justiça - fls. 34/35 e Miguel Jacob por edital - fls. 57/61). A empresa requerida apresentou contestação (fls. 75/86) alegando

prescrição e denunciação da lide à distribuidora. No mérito, impugnou os laudos e defendeu a improcedência da ação ao argumento de que não procedeu à adulteração da gasolina, não tendo causado prejuízo aos consumidores, além de defender a ausência de prova para se desconsiderar a personalidade jurídica. Sobreveio réplica (fls. 89/96). Sobre provas, foi deferido pedido das partes de intimação da ANP para apresentar os registros de análise da qualidade do combustível, relativos aos seis meses anteriores à data da infração (fl. 107). Em decorrência, vieram aos autos os documentos de fls. 112/114, 118 e 124/131, em face dos quais apenas o Ministério Público Federal se manifestou (fls. 133/138). Relatado, fundamento e decido. Julgo antecipadamente a lide, tendo em vista que não há necessidade de produção de provas em audiência. Improcedem todas as preliminares. Acerca da alegação de prescrição, a empresa Auto Posto Santa Matilde Ltda foi autuada em 26.08.2004 (auto de infração n. 139436), por vender gasolina adulterada de 16 de junho a 22 de junho de 2004. Em decorrência, a Agência Nacional do Petróleo, em regular processo administrativo, julgou subsistente o auto de infração em 02.08.2010 (fls. 90/94 do apenso), sendo negado provimento ao recurso administrativo em 03.08.2011 (fl. 111/116 do apenso), iniciando aí o prazo prescricional que, como bem salientado pelo Ministério Público Federal (fl. 91), não decorreu. Aliás, nem um ano se passou até a propositura da ação. Também improcede o pedido de denunciação da lide à WJ Distribuidora de Combustíveis Ltda. Perante os consumidores, o comerciante é responsável, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados pelos produtos quando este for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador (Lei n. 8.078/90, art. 13, II). Ademais, a própria ANP julgou insubsistente o auto de infração lavrado contra a Distribuidora, deixando assente a não realização de testes na denominada "amostra-testemunha" (fls. 95/96 do apenso). Por fim, ainda que tivesse sido feita a prova pericial na chamada "amostra-testemunha", a adição do marcador pela Distribuidora não isentaria o Posto Revendedor de responder, perante os consumidores, pela desconformidade técnica do combustível. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica, a empresa primitiva, Auto Posto Santa Matilde Ltda, iniciou suas atividades em 06.11.2001 e alterou o nome, ramo, objeto e endereço em 06.10.2004, como demonstra a certidão emitida pela Jucesp (fls. 106/109 do apenso), fatos que, em se tratando de relação de índole consumerista, revelam o desvio de finalidade, confusão patrimonial e estado de insolvência do fornecedor, permitindo a responsabilização solidária dos sócios (art. 28 e seu 5º, do Código de Defesa do Consumidor). Passo ao exame do mérito. A comercialização do combustível no período descrito na inicial é fato incontroverso. Aliás, provada pelo termo de coleta de amostra, boletim de

análise e pelo auto de infração (fls. 02, 04/05 e 06 do apenso). O início da revenda do combustível deu-se em 17.06.2004, data de seu aporte no posto de revenda, conforme nota fiscal emitida pela WJ Distribuidora (fl. 03 do apenso), e o fim verificou-se em 22 de junho de 2004, às 17:10h, data da lacração das bombas pela ANP (fl. 02 do apenso). A prova pericial especializada, produzida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas, atestou que a gasolina "c" examinada possuía marcador - adição de solvente (fls. 04/05 do apenso). Referido marcador é proibido como combustível automotivo, conforme fundamentado no auto de infração lavrado pela ANP (fl. 06 e seguintes do apenso). Esta questão técnica restou pacífica nos autos. A ANP, intimada, forneceu documentos (fls. 112/114, 118 e 124/131, cujo conteúdo é idêntico aos acostados no apenso). A parte requerida, contudo, não apresentou os registros das análises de qualidade, referente ao controle de entrada de combustível nos seis meses antecedentes aos fatos. Os exames e o auto de infração constituem ato administrativo, sobre o qual recai a presunção de legitimidade e eficiência. Caberia, pois, à empresa requerida elidir tal presunção, ônus do qual não se desincumbiu. Resta, assim, analisar a questão dos prejuízos dos consumidores que abasteceram seus veículos com os combustíveis adulterados, no período de 17.06.2004 a 26.07.2004, às 17:10h (fl. 02 do apenso). À prova destes prejuízos chega-se pelas regras de experiência. A ANP estabelece os percentuais máximos de elementos químicos na gasolina diante de postulados técnicos garantidores do bom funcionamento dos motores dos veículos. O acréscimo de tais elementos em quantidade acima da tecnicamente prevista causa danos aos componentes do motor, ensejando prejuízos econômicos aos proprietários dos veículos e riscos de acidentes viários. A conclusão, pois, independente de qualquer exame pericial, é que os consumidores que abasteceram seus veículos com os combustíveis adulterados comercializados pelo requerido, sofreram, em maior ou menor grau, prejuízos materiais. Apenas o quantum dos prejuízos deve ser comprovado por cada consumidor em particular, na fase de liquidação e execução do julgado, mediante a apresentação de documentos hábeis. Sopesadas as questões fáticas, passo à aplicação do direito. De acordo com o art. 81, parágrafo único, III, da Lei n. 8.078/90, a defesa dos direitos dos consumidores poderá ser exercida em juízo a título coletivo quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. O art. 82, I, da mesma lei, confere legitimação ativa ao Ministério Público para a defesa destes direitos. Não há dúvida que, no caso em exame, estamos diante de interesses individuais homogêneos, porquanto, embora digam respeito a consumidores determinados, são transindividuais e decorrem de uma origem comum: o fato de terem abastecido seus veículos com os combustíveis adulterados. O direito dos

consumidores aos combustíveis dentro dos padrões de qualidade decorre dos arts. 6º, IV, 18, 6º, II e II, e 39, VIII, da Lei n. 8.078/90, bem como do art. 1º, III, da Lei n. 9.478/97. A ação civil pública é o instrumento adequado para a defesa de tal direito, diante da previsão do art. 1º, II, da Lei n. 7.347/85. Caso não se habilitem os consumidores prejudicados, procede o pleito da parte requerente para que os requeridos sejam condenados a recolher, ao Fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347/85, a título de indenização, o valor constante da nota fiscal de aquisição dos combustíveis contrafeitos (fl. 03 do apenso). Isso posto, julgo procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar a empresa Transportes de Carga Santa Matilde Ltda, Miguel Jacob e Jose Maria Brassaroto a ressarcirem os danos materiais que venham a ser comprovados pelos consumidores que adquiriram no posto de revenda, Auto Posto Santa Matilde Ltda, situado, à época dos fatos, na Rua Oscar Janson, 237, centro, São João da Boa Vista-SP, durante o período entre 17 de junho de 2004 a 26 de junho de 2004, às 17:10h, gasolina tipo "c", e, caso não sobrevenha a habilitação destes consumidores, na fase seguinte, para condená-los a recolher, ao Fundo de que trata o art. 13 da Lei n. 7.347/85, a título de indenização, o valor constante da nota fiscal de aquisição dos combustíveis contrafeito de R$ 8.750,00 - fl. 03 do apenso, devidamente corrigido. Defiro o pedido de publicação desta sentença em jornais do Município de São João da Boa Vista-SP que venham a ser indicados pela parte requerente em 30 (trinta) dias, para o fim de levar ao conhecimento dos consumidores o direito ora reconhecido. Sem condenação da parte requerida em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei n. 7.347/85, sistematicamente interpretado, pois ausente sua má-fé. Se o Ministério Público, em sede de ação civil pública, não paga honorários, com exceção dos casos de má-fé, também não deve recebê-los, senão de quem age de má-fé. Nesse sentido: STJ, RESP 785.489/DF, rel. Min. Castro Meira. Custas na forma da lei. P.R